O
Mais Sagrado Direito do Homem
por Ellen White
Pág. do Homem
Pág. 289
Os reformadores ingleses, conquanto
renunciassem às doutrinas do romanismo, retiveram muitas de suas formas. Assim,
posto que rejeitados a autoridade e o credo de Roma, não poucos de seus
costumes e cerimônias foram incorporados ao culto da Igreja Anglicana.
Alegava-se que essas coisas não constituíam questões de consciência, e que,
embora não ordenadas nas Escrituras, e conseguintemente não essenciais, não
eram más em si mesmas, visto não serem proibidas. Sua observância tendia a
diminuir o abismo que separava de Roma as igrejas reformadas, e insistia-se que
promoveriam a aceitação da fé protestante pelos romanistas.
Aos conservadores e condescendentes,
pareciam decisivos estes argumentos. Havia, porém, outra classe que assim não
pensava. O fato de que esses costumes "tendiam a lançar uma ponte sobre o abismo
entre Roma e a Reforma" (Martyn), era em sua opinião um argumento conclusivo
contra o retê-los. Olhavam para eles como distintivos da escravidão de que
haviam sido libertados, e para a qual não se sentiam dispostos a voltar.
Raciocinavam que Deus, em Sua Palavra, estabeleceu regras para ordenar o Seu
culto, e que os homens não estão na liberdade de acrescentar a essas regras ou
delas tirar qualquer coisa. O princípio mesmo da grande apostasia consistiu em
procurar fazer da autoridade da igreja um suplemento da
Pág. 290
autoridade de Deus. Roma começou por
ordenar o que Deus não tinha proibido, e acabou por proibir o que Ele havia
explicitamente ordenado.
Muitos desejavam fervorosamente voltar à
pureza e simplicidade que caracterizavam a igreja primitiva. Consideravam
muitos dos costumes estabelecidos pela Igreja Anglicana como monumentos da
idolatria, e não podiam conscienciosamente unir-se a seu culto. Mas a igreja,
apoiada pela autoridade civil, não permitia opiniões contrárias às suas formas.
A assistência aos seus cultos era exigida por lei, e proibiam-se as assembléias
para culto que não tivessem autorização, sob pena de encarceramento, exílio e
morte.
No início do século XVII, o monarca que
acabara de subir ao trono da Inglaterra declarou sua decisão de fazer com que
os puritanos "se conformassem ou … oprimi-los-ia para saírem do país, ou
faria coisa pior". – História dos Estados Unidos da América,
George Bancroft. Perseguidos e aprisionados, não podiam divisar no futuro
vislumbres de melhores dias, e muitos chegaram à convicção de que, para os que
quisessem servir a Deus segundo os ditames de sua consciência, "a Inglaterra
estava deixando de ser para sempre um lugar habitável". – História da
Nova Inglaterra, J. G. Palfrey. Alguns resolveram, por fim, buscar refúgio na
Holanda. Encararam dificuldades, prejuízos e prisão. Seus intuitos foram
contrariados, e eles entregues às mãos de seus inimigos. Mas a inabalável
perseverança venceu finalmente, e encontraram abrigo nas praias amigas da
república holandesa.
Em sua fuga deixaram casas, bens e meios
de vida. Eram estrangeiros em terra estranha, entre um povo de língua e
costumes diferentes. Foram obrigados a recorrer a ocupações novas e a que não
estavam afeitos, a fim de ganhar o pão. Homens de meia-idade, que haviam
despendido a vida no cultivo do solo, tiveram agora de aprender ofícios
mecânicos. Animadamente, porém, enfrentaram a situação, e não perderam tempo em
ociosidade ou murmurações. Posto que muitas vezes premidos pela pobreza,
agradeciam a Deus as bênçãos que
Pág. 291
ainda lhes eram concedidas, e encontravam
alegria na tranqüila comunhão espiritual. "Sabiam que eram
peregrinos, e não olhavam muito para essas coisas, mas levantavam os olhos ao
Céu, seu mais caro país, e acalmavam o espírito." – Bancroft.
Em meio de exílio e agruras, cresciam o
amor e a fé. Confiavam nas promessas do Senhor, e Ele não faltava com elas no
tempo de necessidade. Seus anjos estavam a seu lado, para animá-los e ampará-los.
E, quando a mão de Deus pareceu apontar-lhes através do mar uma terra em que
poderiam fundar para si um Estado e deixar a seus filhos o precioso legado da
liberdade religiosa, seguiram eles, sem se arrecear, pela senda da Providência.
Deus permitira que viessem provações a Seu
povo a fim de prepará-lo para o cumprimento de Seu misericordioso propósito em
relação a ele. A igreja sofrera humilhações, para que pudesse ser exaltada.
Deus estava a ponto de ostentar o Seu poder em favor dela, para dar ao mundo
outra prova de que não abandonará os que nEle confiam. Dispusera os
acontecimentos de maneira a fazer com que a ira de Satanás e as tramas de
homens maus promovessem a Sua glória e levassem Seu povo a um lugar de
segurança. A perseguição e o exílio estavam abrindo o caminho para a liberdade.
Quando constrangidos pela primeira vez a
separar-se da Igreja Anglicana, os puritanos se uniram em solene concerto, como
o povo livre do Senhor, "para andarem juntos em todos os Seus caminhos,
por eles conhecidos ou a serem conhecidos". – Os Pais
Peregrinos, J. Brown. Ali estava o verdadeiro espírito da Reforma, o princípio
vital do protestantismo. Foi com este intuito que os peregrinos partiram da
Holanda para buscar um lar no Novo Mundo. João Robinson, seu pastor, que
providencialmente foi impedido de os acompanhar, em sua mensagem de despedida
aos exilados, disse:
"Irmãos: Em breve havemos de separar-nos, e
só o Senhor sabe se viverei para que de novo veja o vosso rosto. Mas, seja qual
for a divina vontade, conjuro-vos perante Deus e Seus
Pág. 292
santos anjos que não me sigais além do que
eu haja seguido a Cristo. Se Deus vos revelar algo mediante qualquer outro
instrumento Seu, sede tão prontos para recebê-lo como sempre fostes para
acolher qualquer verdade por intermédio de meu ministério; pois estou seguro de
que o Senhor tem mais verdade e luz, a irradiar de Sua Palavra." – Martyn.
"De minha parte, não posso deplorar
suficientemente a condição das igrejas reformadas, que, em religião, chegaram a
um período estacionário, e não irão agora mais longe do que os instrumentos de
sua reforma. Os luteranos não poderão ser arrastados a ir além do que Lutero
viu; … e os calvinistas, vós os vedes, estacam onde foram deixados por aquele
grande homem de Deus, que não vira contudo todas as coisas. Esta é uma
calamidade muito para se lamentar; pois, embora fossem luzes a arder e brilhar
em seu tempo, não penetraram em todo o conselho de Deus; mas, se vivessem hoje,
estariam tão dispostos a receber mais luz como o estiveram para aceitar a que a
princípio acolheram." – História dos Puritanos, D. Neal.
"Lembrai-vos de vosso concerto com a
igreja, no qual concordastes em andar em todos os caminhos do Senhor, já
revelados ou por serem ainda revelados. Lembrai-vos de vossa promessa e
concerto com Deus, e de uns com os outros, de aceitar qualquer luz e verdade
que se vos fizesse conhecida pela Palavra escrita; mas, além disso, tende
cuidado, eu vos rogo, com o que recebeis por verdade, e comparai-o, pesai-o com
outros textos da verdade antes de o aceitar; pois não é possível que o mundo
cristão, depois de haver por tanto tempo permanecido em tão densas trevas
anticristãs, obtivesse de pronto um conhecimento perfeito em todas as
coisas." – Martyn.
Foi o desejo de liberdade de consciência
que inspirou os peregrinos a enfrentar os perigos da longa jornada através do
mar, a suportar as agruras e riscos das selvas e lançar, com a bênção de Deus,
nas praias da América do Norte, o fundamento de uma poderosa nação. Entretanto,
sinceros e tementes a Deus como eram, os peregrinos não compreendiam ainda o
grande
Pág. 293
princípio da liberdade religiosa. A
liberdade, por cuja obtenção tanto se haviam sacrificado, não estavam
igualmente dispostos a conceder a outros. "Muito poucos,
mesmo dentre os mais eminentes pensadores e moralistas do século XVII, tinham
exata concepção do grandioso princípio – emanado do Novo Testamento – que
reconhece a Deus como único juiz da fé humana." – Martyn.
A doutrina de que Deus confiara à igreja o
direito de reger a consciência e de definir e punir a heresia, é um dos erros
papais mais profundamente arraigados. Conquanto os reformadores rejeitassem o
credo de Roma, não estavam inteiramente livres de seu espírito de intolerância.
As densas trevas em que, através dos longos séculos de domínio, havia o papado
envolvido a cristandade inteira, não tinham sido mesmo então completamente
dissipadas. Disse um dos principais ministros da colônia da Baía de
Massachusetts: "Foi a tolerância que tornou o mundo anticristão;
e a igreja nunca sofreu dano com a punição dos hereges." – Martyn. Foi
adotado pelos colonos o regulamento de que apenas membros da igreja poderiam
ter voz ativa no governo civil. Formou-se uma espécie de Estado eclesiástico,
exigindo-se de todo o povo que contribuísse para o sustento do clero,
concedendo-se aos magistrados autorização para suprimir a heresia. Assim, o
poder secular encontrava-se nas mãos da igreja. Não levou muito tempo para que
estas medidas tivessem o resultado inevitável: a perseguição.
Onze anos depois do estabelecimento da
primeira colônia, Roger Williams veio ao Novo Mundo. Semelhantemente aos
primeiros peregrinos, viera para gozar de liberdade religiosa; mas, divergindo
deles, viu (o que tão poucos em seu tempo já haviam visto) que esta liberdade é
direito inalienável de todos, seja qual for o credo professado. E era ele
fervoroso inquiridor da verdade, sustentando, juntamente com Robinson, ser
impossível que toda a luz da Palavra de Deus já houvesse sido recebida.
Williams "foi a primeira pessoa da cristandade moderna a estabelecer o
governo civil sobre a doutrina da liberdade de consciência, da igualdade de
opiniões perante a lei". –
Pág. 294
Bancroft. Declarou ser o dever do
magistrado restringir o crime, mas nunca dominar a consciência. "O público ou os
magistrados podem decidir", disse, "o que é devido de homem para homem; mas,
quando tentam prescrever os deveres do homem para com Deus, estão fora de seu
lugar, e não poderá haver segurança; pois é claro que, se o magistrado tem esse
poder, pode decretar um conjunto de opiniões ou crenças hoje e outro amanhã, como
tem sido feito na Inglaterra por diferentes reis e rainhas, e por diferentes
papas e concílios na Igreja Romana, de maneira que semelhante crença
degeneraria em acervo de confusão." – Martyn.
A assistência aos cultos da igreja oficial
era exigida sob pena de multa ou prisão. "Williams
reprovou a lei; o pior regulamento do Código inglês era o que tornava
obrigatória a assistência à igreja da paróquia. Obrigar os homens a unirem-se
aos de credo diferente, considerava ele como flagrante violação de seus direitos
naturais; arrastar ao culto público os irreligiosos e os que não queriam,
apenas se assemelhava a exigir a hipocrisia. … ‘Ninguém deveria ser obrigado a
fazer culto’, acrescentava ele, ‘ou custear um culto, contra a sua vontade.’
‘Pois quê?’ exclamavam seus antagonistas, aterrados com os seus dogmas, ‘não é
o obreiro digno de seu salário?’ ‘Sim’, replicou ele, ‘dos que o
assalariam."’ – Bancroft.
Roger Williams era respeitado e amado como
ministro fiel e homem de raros dons, de inflexível integridade e verdadeira
benevolência; contudo, sua inabalável negação do direito dos magistrados civis
à autoridade sobre a igreja, e sua petição de liberdade religiosa, não podiam
ser toleradas. A aplicação desta nova doutrina, dizia-se insistentemente,
"subverteria o fundamento do Estado e do governo do país". – Bancroft.
Foi sentenciado a ser banido das colônias, e finalmente, para evitar a prisão,
obrigado a fugir para a floresta virgem, debaixo do frio e das tempestades do
inverno.
"Durante catorze semanas", diz ele,
"fui dolorosamente torturado pelas inclemências do tempo, sem saber
o que era pão ou cama. Mas os corvos me alimentaram no deserto". E
Pág. 295
uma árvore oca muitas vezes lhe serviu de
abrigo. – Martyn. Assim continuou a penosa fuga através da neve e das
florestas, até que encontrou refúgio numa tribo indígena, cuja confiança e
afeição conquistara enquanto se esforçava por lhes ensinar as verdades do
evangelho.
Tomando finalmente, depois de meses de
sofrimentos e vagueações, rumo às praias da Baía de Narragansett, lançou ali os
fundamentos do primeiro Estado dos tempos modernos que, no mais amplo sentido,
reconheceu o direito da liberdade religiosa.
O princípio fundamental da colônia de
Roger Williams era "que todo homem teria liberdade para adorar a
Deus segundo os ditames de sua própria consciência". – Martyn. Seu
pequeno Estado – Rhode Island – tornou-se o refúgio dos oprimidos, e cresceu e
prosperou até que seus princípios básicos – a liberdade civil e religiosa – se
tornaram as pedras angulares da República Americana.
No grandioso e antigo documento que
aqueles homens estabeleceram como a carta de seus direitos – a Declaração de
Independência – afirmavam: "Consideramos como verdade evidente que
todas as pessoas foram criadas iguais; que foram dotadas por seu Criador de
certos direitos inalienáveis, encontrando-se entre estes a vida, a liberdade e
a busca da felicidade." E a Constituição garante, nos termos mais
explícitos, a inviolabilidade da consciência: "Nenhum requisito
religioso jamais se exigirá como qualificação para qualquer cargo de confiança
pública nos Estados Unidos." "O Congresso não fará nenhuma lei que
estabeleça uma religião ou proíba seu livre exercício."
"Os elaboradores da Constituição
reconheceram o eterno princípio de que a relação do homem para com o seu Deus
está acima de legislação humana, e de que seus direitos de consciência são
inalienáveis. Não foi necessário o raciocínio para estabelecer esta verdade; temos
consciência dela em nosso próprio íntimo. É essa consciência que, em desafio às
leis humanas, tem sustentado tantos mártires nas torturas e nas chamas. Sentiam
que seu dever para com Deus era superior às
Pág. 296
ordenanças humanas, e que nenhum homem
poderia exercer autoridade sobre sua consciência. É um princípio inato que nada
pode desarraigar." – Documentos do Congresso (Estados Unidos da
América do Norte).
Espalhando-se pelos países da Europa a
notícia de uma terra onde todo homem gozava o fruto de seu próprio trabalho,
obedecendo às convicções de sua consciência, milhares se concentraram nas
praias do Novo Mundo. Multiplicaram-se rapidamente as colônias. "Massachusetts,
em virtude de lei especial, estendia cordiais boas-vindas e auxílio, à expensa
pública, aos cristãos de qualquer nacionalidade que fugissem através do
Atlântico ‘para escaparem de guerras ou fome, ou da opressão de seus
perseguidores’. Assim os fugitivos e opressos pela lei se faziam hóspedes da
comunidade pública." – Martyn. Vinte anos depois do primeiro
embarque de Plymouth, outros tantos milhares de peregrinos se tinham
estabelecido na Nova Inglaterra.
A fim de assegurarem o objetivo que
procuravam, "contentavam-se com ganhar parca subsistência, por uma vida
de frugalidade e labuta. Nada pediam do solo senão o razoável produto de seu
próprio labor. Nenhuma visão dourada projetava falsa luz sobre seu caminho. …
Estavam contentes com o progresso vagaroso mas firme de sua política social.
Suportavam pacientemente as privações do sertão, regando a árvore da liberdade
com lágrimas e com o suor de seu rosto, até deitar ela profundas raízes na
terra".
A Escritura Sagrada era tida como
fundamento da fé, a fonte da sabedoria e a carta da liberdade. Seus princípios
eram diligentemente ensinados no lar, na escola e na igreja, e seus frutos se
faziam manifestos na economia, inteligência, pureza e temperança. Poderia
alguém morar durante anos nas colônias dos puritanos, "e não ver um bêbado
nem ouvir uma imprecação ou encontrar um mendigo". – Bancroft.
Estava demonstrado que os princípios da Bíblia constituem a mais segura
salvaguarda da grandeza nacional. As fracas e isoladas colônias
desenvolveram-se em confederação de poderosos Estados, e o mundo notava com
admiração a paz e prosperidade de "uma igreja sem papa e um Estado sem
rei".
Mas as praias da América do Norte atraíam
um número de
Pág. 297
imigrantes sempre maior, em que atuavam
motivos grandemente diversos dos que nortearam os primeiros peregrinos.
Conquanto a fé e a pureza primitiva exercessem ampla e modeladora influência,
veio a tornar-se cada vez menor ao aumentar o número dos que buscavam
unicamente vantagens seculares.
O regulamento adotado pelos primeiros
colonos, permitindo apenas a membros da igreja votar ou ocupar cargos no
governo civil, teve os mais perniciosos resultados. Esta medida fora aceita
como meio para preservar a pureza do Estado, mas resultou na corrupção da
igreja. Estipulando-se o professar religião como condição para o sufrágio e
para o exercício de cargos públicos, muitos, influenciados apenas por motivos
de conveniência mundana, uniram-se à igreja sem mudança de coração. Assim as
igrejas vieram a compor-se, em considerável proporção, de pessoas não
convertidas; e mesmo no ministério havia os que não somente mantinham erros de
doutrinas, mas que eram ignorantes acerca do poder renovador do Espírito Santo.
Assim novamente se demonstraram os maus resultados, tantas vezes testemunhados
na história da igreja, desde os dias de Constantino até ao presente, de
procurar edificar a igreja com o auxílio do Estado, apelando para o poder
temporal em apoio do evangelho dAquele que declarou: "Meu reino não é
deste mundo." João 18:36. A união da Igreja com o Estado, não importa
quão fraca possa ser, conquanto pareça levar o mundo mais perto da igreja, não
leva, em realidade, senão a igreja mais perto do mundo.
O grande princípio tão nobremente advogado
por Robinson e Rogério Williams, de que a verdade é progressiva, de que os
cristãos devem estar prontos para aceitar toda a luz que resplandecer da santa
Palavra de Deus, foi perdido de vista por seus descendentes. As igrejas
protestantes da América do Norte, assim como as da Europa, tão altamente
favorecidas pelo recebimento das bênçãos da Reforma, deixaram de prosseguir na
senda que se haviam traçado. Posto que de tempos em tempos surgissem alguns
homens fiéis, a fim de proclamar novas verdades e denunciar erros longamente
acariciados, a maioria, como os judeus
Pág. 298
do tempo de Cristo ou os romanistas do
tempo de Lutero, contentava-se em crer como creram seus pais, e viver como eles
viveram. Portanto, a religião degenerou novamente em formalismo; e erros e
superstições que, houvesse a igreja continuado a andar à luz da Palavra de
Deus, teriam sido repudiados, foram acalentados e retidos. Destarte, o espírito
que fora inspirado pela Reforma, foi gradualmente arrefecendo até haver quase
tão grande necessidade de reforma nas igrejas protestantes como na igreja
romana ao tempo de Lutero. Havia o mesmo mundanismo e apatia espiritual,
idêntica reverência às opiniões de homens, e substituição dos ensinos da
Palavra de Deus pelas teorias humanas.
A ampla circulação da Escritura Sagrada
nos princípios do século XIX, e a grande luz assim derramada sobre o mundo, não
foram seguidas de um correspondente progresso no conhecimento da verdade
revelada e na piedade prática. Satanás não pôde, como nos séculos anteriores,
privar o povo da Palavra de Deus; esta foi posta ao alcance de todos; com o
intuito porém, de ainda cumprir seu objetivo, levou muitos a tê-la em pouca
conta. Os homens negligenciavam pesquisar as Escrituras, e assim continuaram a
aceitar falsas interpretações e acalentar doutrinas que não tinham fundamento
na Bíblia.
Vendo o malogro de seus esforços em
aniquilar a verdade pela perseguição, Satanás de novo recorreu ao plano de
condescendência, que deu como resultado a grande apostasia e a formação da
Igreja de Roma. Induziu os cristãos a se aliarem, não com os pagãos, mas com os
que, por seu apego às coisas deste mundo, tinham demonstrado ser tão
verdadeiramente idólatras como o eram os adoradores de imagens de escultura. E
os resultados desta união não foram menos perniciosos então do que nos séculos
anteriores; o orgulho e a extravagância eram incentivados sob o disfarce de
religião, e as igrejas se tornaram corruptas. Satanás continuou a perverter as
doutrinas da Escritura Sagrada, e tradições que deveriam fazer a ruína de
milhões estavam a deitar profundas raízes. A igreja mantinha e defendia essas
tradições, em vez de contender pela "fé que uma vez foi dada aos santos". Assim se
degradaram os princípios por que os reformadores tanto haviam realizado e
sofrido.